Entrevista: Tenho a alma portuguesa e Portugal no meu coração, por essa valorização à história

Por Ingrid Morais

Como diz o ditado português: “Quem não é visto, não é lembrado”. Brasil e Portugal têm laços e vínculos que remontam há cinco séculos e muitos dos personagens que construíram a nossa história atravessaram além-mar, aqui se fixaram e hoje estão praticamente esquecidos. Não fosse o trabalho de resgate e preservação cultural como o de Dimas Oliveira Junior.
Dimas Oliveira Junior é diretor de cinema, TV, documentarista e jornalista, que exerceu funções de diretor artístico em 32 filmes documentários na Rede STV SESC SENAC de Televisão, também assinando os roteiros e pesquisas. Dirigiu os filmes: DESATINO, OS ÚLTIMOS COMPASSOS, THE HISTORY OF A RADIO SINGER, VIDA FÁCIL, além de diversos trabalhos em dramaturgia nas emissoras: CNT-GAZETA, TV BAND, REDE MULHER (RECORD). Recebeu o Prêmio Mauá de Excelência em Cinema Documental, além da Medalha de Mérito Cívico de Desempenho em Artes Cinematográficas, e também, o Título de Comendador da Ordem do Mérito Cívico e Cultural. Atualmente como diretor geral da Oficina de Artes Rosina Pagan, em entrevista ao Jornal Mundo Lusíada fala sobre seus projetos da união Brasil-Portugal.

Mundo Lusíada: Em julho desse ano você esteve com sua equipe em Portugal para as gravações do filme documental longa-metragem Dona Maria II – Do Brasil para o Trono de Portugal, que terá estréia oficial nos dois países. Notamos que seus trabalhos mais recentes tratam de personagens de origem portuguesa. O que mais te atrai nessa rica história da tradição lusitana?
Dimas Oliveira Junior: Eu tenho uma paixão muito grande em retratar a vida da Rainha de Portugal, Dona Maria II, que nasceu no Brasil como Princesa Dona Maria da Glória, Princesa da Beira, que foi o seu primeiro título. O que sempre me encantou é o fato de ser a única brasileira a ocupar um trono europeu além de sua história de contribuição na educação e nas artes, tanto que ela foi denominada “A Educadora”. Mesmo num reinado curto, tendo vivido apenas 34 anos, vejo que ela foi uma das mais importantes rainhas da história de Portugal pela herança que deixou. É de suma importância resgatar a memória de D. Maria II para Portugal e para o Brasil. Muitas pessoas no Brasil desconhecem completamente a sua vida. Fiquei praticamente um mês realizando entrevistas sobre D. Maria II. Estive com a Isabel Stilwell, sua biógrafa oficial, e com a Sara Rodi – que escreveu um livro sobre a Rainha Dona Estefânia, nora de Dona Maria II, e possui também um grande conhecimento sobre a vida dela. Nesse trabalho o único apoio que tive foi da Casa Museu Quinta da Esperança e de seus proprietários, Maria de Fátima da Serra e o escritor Stevan Lekitsch. Eles ajudaram financeiramente para a realização desse projeto e o principal de tudo: acreditaram no sonho cultural a ser feito. Porque é muito difícil realizar cultura no Brasil. Você encontra mil barreiras e obstáculos. O Brasil é um país sem memória, é um país que não valoriza a história, o que é bem diferente de Portugal. Tenho a maior admiração por Portugal, costumo dizer que tenho a alma portuguesa e Portugal no meu coração, por essa energia, essa valorização à história que Portugal tem. Eu devo D. Maria II – Do Brasil para o Trono de Portugal aos portugueses que foram tão gentis e acreditaram também no meu trabalho. O documentário terá estréia no Brasil e em Portugal simultaneamente a partir de fevereiro de 2018. Teremos uma estréia na Casa Museu Quinta da Esperança e em alguns outros locais em Portugal que estão sendo agendados. Aqui já fiz um ofício ao Consulado de Portugal para que nos apoie a ter uma pré-estréia no Brasil. Nada mais justo apresentarmos a vida da Rainha de Portugal no Consulado de Portugal. É um trabalho que me deixou muito feliz e que não para por aí. Pretendo resgatar outras figuras da história portuguesa que foram de grande relevância no nosso Brasil, como a Rainha D. Maria I, denominada “A Rainha Louca”, por quem tenho uma curiosidade muito grande. Ela nasceu em 17 de dezembro. Eu nasci em 17 de dezembro. Ela nasceu numa sexta-feira. Eu nasci numa sexta-feira. Ela nasceu às 18h. Eu nasci às 18h. Tem os documentos dela e os meus que comprovam. Brincando com os números do ano de nascimento dela, duas vezes dará o numero 8, que é o final do ano que eu nasci – 1958. Então, estou planejando um documentário sobre D. Maria I. É um projeto que, se Deus quiser, em 2018 já estarei realizando. Nada é mais gratificante pra mim do que apresentar, pelo menos com uma pequena parcela desse meu trabalho como documentarista em audiovisual, estreitar esses laços culturais que nos ligam e sempre nos ligarão à história de Portugal.

ML: Dimas, você é a prova de que é possível trabalhar com baixos orçamentos, equipe técnica reduzida, elenco pouco conhecido e um volume impressionante de cinebiografias, como é o caso do projeto artístico e cultural Memórias: Velhos Nomes, Novos Talentos. Qual o segredo para alcançar tão bons resultados?
DO: As pessoas me perguntam: “Como é que você consegue?” Tem gente que diz: “Você é um herói. Consegue fazer isso com uma verba extremamente limitada.” Mas é você querer. Querer é poder. Você não precisa ter uma equipe gigantesca, basta uma equipe de pessoas que acreditam naquele projeto, de profissionais que estejam irmanados, isso é o principal segredo. E amar aquilo que faz. Eu amo o que eu faço. Nada na vida me dá mais prazer do que estar trabalhando em prol das memórias brasileira e portuguesa. Isso é o que mais amo fazer. Então esse amor me motiva a superar obstáculos. É poder realizar com dedicação ao lado de uma equipe pequena, mas altamente profissional e contar sempre com os meus colegas artistas que sempre ficam engajados nessa luta pela cultura dos nossos dois países. E eu jamais vou desistir. Quisera eu ter mais tempo para fazer mais. Mas a gente está correndo e muita coisa vai acontecer em 2018.

ML: Stevan Lekitsch, que tem trabalhado como produtor executivo em suas obras e reside em Portugal, escreveu a peça teatral infantil O Mágico de Inox que a Editora Chiado transformou em livro e posteriormente, em um longa produzido pela Oficina de Artes Rosina Pagan. Como é formar parcerias além do Atlântico?
DO: O Stevan é mais que um amigo, é um irmão de muitos anos. Ele mora há 3 anos em Portugal. Em relação ao Mágico de Inox, quando ele veio lançar o livro ano passado aqui na Bienal, passou na Oficina Rosina Pagan e me trouxe um exemplar. É um livro que ele levou 5 anos para escrever, que ele tinha um carinho muito grande pelo tema. Daí eu falei pra ele: “Stevan, me deixa fazer um filme desse teu livro.” Ele: “Claro, faça. Poxa, que honra.” E eu comecei a preparar o filme. O Stevan viajou para Portugal e não chegou a assistir nenhuma gravação e o trailer viu lá em Portugal. Quando eu fui levei o trailer para que ele visse e ele adorou o trabalho. Agora o filme também será lançado em Portugal porque nós temos a Editora Chiado e o autor morando em Portugal. Foi um trabalho importantíssimo com essa questão da reciclagem. Através de uma adaptação livre que o Stevan fez da obra “O Mágico de Oz” transformar isso em algo tão atual e tão vital para a sobrevivência do planeta, que é a reciclagem. Confesso que eu tinha um pouco de receio de trabalhar com crianças porque você precisa ter um tato, uma psicologia muito grande. E o resultado foi muito feliz. Eu tive a Anna Luiza Tanus que fez a protagonista, a Clara. Mesmo com toda a amizade e intimidade que eu e o Stevan temos, eu apresentei opções para o Stevan e quis que ele desse a palavra final na escolha da atriz que interpretaria a Clara. Ele também ficou apaixonado pela Anna Luiza, que fez brilhantemente a personagem. O Mágico de Inox me fez repensar sobre trabalhar com crianças. Diretor, como todo mundo sabe, é estressado, fala palavrão, xinga. Mas entre adultos você tem esse comportamento. E como agir com crianças? Você não pode ficar xingando uma criança, de forma nenhuma. Eu tenho netos também, então pra mim foi até um treino de como lidar com os meus netos de uma maneira a procurar entender mais a cabecinha da criança. Entrar naquele mundo dela. Sou tão agradecido a Portugal e acho que daqui pra frente só vou trabalhar coisas de Portugal, que dá muito certo.

 

Por Ingrid Morais
Comunicadora e Advogada especialista em Entretenimento e Mídia.

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