Especialistas divergem em relação ao acordo ortográfico em debate no Senado

Especialistas debatem no Senado. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
Especialistas debatem no Senado. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Mundo Lusíada
Com Agencia Senado

Um debate realizado em Brasília expõe divergências quanto à implantação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em 1990 e que deverá estar implantado no Brasil em janeiro de 2016.

O debate, em 21 de outubro, integra as atividades do grupo de trabalho criado em 2013 no Senado, Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), para propor a simplificação e o aperfeiçoamento do acordo ortográfico. As regras do acordo já são adotadas no Brasil, por exemplo por editoras, mas só serão obrigatórias a partir de 2016.

Segundo a vice-presidente da CE, senadora Ana Amélia (PP-RS), o papel da comissão é garantir espaço para o tema ser discutido, mas não serão os senadores a propor qualquer alteração. Também não se discute a revogação do tratado que unificou a ortografia da língua. “Não vamos mexer na reforma, no conteúdo [do acordo], hífen, trema, x no lugar do ch. Isso não é função nossa, dos parlamentares. O grupo técnico vai sugerir e a comissão pode acatar ou não as sugestões. Vamos oferecer isso ao debate, como contribuição” explica.

Evanildo Bechara, membro da Academia Brasileira de Letras, defende a adoção das regras previstas no acordo para a uniformização gramatical entre os países que têm a língua portuguesa como idioma oficial — Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, Brasil e Portugal.

Ao comentar relatos de resistência ao acordo ortográfico em Portugal, Bechara afirmou que as críticas seriam localizadas e que revelam desconhecimento das mudanças propostas. Ele destacou que as novas regras têm a aprovação dos especialistas que representam Portugal nos fóruns de discussão do assunto.

Quanto à dificuldade de adesão em Angola e Moçambique, o gramático considera normal que implantação do acordo seja mais demorada nesses países, devido à existência de diversas línguas locais, ao lado do português.

Já Ernani Pimentel, presidente do Centro de Estudos Linguísticos da Língua Portuguesa, é contra as mudanças, argumentando que não houve diálogo com a sociedade e com quem atua na área. Ele lidera movimento para adoção de critério fonético na ortografia, ou seja, a escrita das palavras orientada pela forma como se fala. Por esse critério, a palavra “chave”, por exemplo, seria escrita com x (xave), sem preocupação em considerar a etimologia.

“O ensino baseado na etimologia, na pseudoetimologia, é dos séculos que se foram. Podemos agora discutir formas mais objetivas e racionais” diz Pimentel, ao afirmar que a simplificação evitaria que as novas gerações sejam submetidas a “regras ultrapassadas que exigem decoreba”.

Em sentido oposto, Evanildo Bechara considera que a simplificação fonética, “aparentemente ideal”, resultaria em mais problemas que soluções, pois extinguiria as palavras homófonas – aquelas que têm o mesmo som, mas escrita e significados diferentes. Como exemplo, ele citou as palavras seção, sessão e cessão, que ficariam reduzidas a uma só grafia, o que prejudicaria a compreensão da mensagem. “Aparentemente teríamos resolvido um problema ortográfico, mas criaríamos um problema maior na função da língua, que é a comunicação entre as pessoas”.

Ouvidos pela Agência Senado, os especialistas discordam de proposta de simplificação ortográfica pelo critério fonético, ou seja, a escrita das palavras orientada pela forma como se fala. Esse sistema, se adotado, levaria ao fim do ch, ç, ss, do h inicial, como na palavra “hoje”, entre outras mudanças.

Facilitação no ensino
Pasquale Cipro Neto, um dos coordenadores do grupo de trabalho técnico, aponta vários problemas no texto do acordo, como o uso de hífen em pé-de-meia, uma exceção consagrada pelo uso, e a abolição em pé de moleque, que poderia levar hífen pela mesma justificativa. Não há uma explicação lógica para as escolhas, avalia.

“Do jeito que a coisa está hoje, pode se dizer que a grafia da língua portuguesa, de acordo com o que ficou decidido pelo acordo e pela nota explicativa, adendo imenso que a Academia Brasileira de Letras fez ao acordo, é ‘inensinável’. Como vou explicar para o aluno por que determinada palavra é escrita com hífen ou não se elas estão no mesmo caso?” questiona.

Para ele, o acordo de unificação ortográfica na verdade é um “desacordo”, não foi feito ao mesmo tempo pelos países lusófonos, assim como a entrada em vigor não foi concomitante. Angola e Moçambique até hoje não ratificaram o acordo e Portugal ainda não elaborou o vocabulário comum. “Não existe obra perfeita, mas os fatos mostram que houve atropelo. O acordo precisa passar por uma revisão, precisa ser clareado” disse.

No debate, Pimentel afirmou que a simplificação da gramática tornaria mais eficiente e racional o ensino da língua portuguesa nas escolas, facilitando o aprendizado e reduzindo custos. Ele ressaltou que simplificação já conta com 36 mil apoiadores, entre professores e alunos do ensino médio e superior.

Já Bechara disse que, para a ABL, dificuldades na alfabetização e no ensino da língua escrita não se resolvem com a simplificação ortográfica. Se fosse assim, seria grande o número de analfabetos na França e na Inglaterra, uma vez que as ortografias francesa e inglesa estão entre as mais complicadas. Ao contrário, observou, são países que estão “na vanguarda da civilização”, resultado de escolas de qualidade e professores competentes.

Na opinião do gramático, o acordo ortográfico reúne qualidades e representa um avanço para o uso do idioma e para unificar regras entre os países lusófonos. Ele ressaltou que os países que assinaram o acordo poderão, depois da implementação das novas regras, aprovar modificações e ajustes, caso necessário.

Também Thais Nicoleti, consultora de língua portuguesa da Folha de S. Paulo e do portal UOL, elogiou mudanças promovidas pelo acordo ortográfico. Ela pediu, por outro lado, que o ensino do português nas escolas seja aprimorado, com exigência de mais leitura.

O debate integra as atividades do grupo de trabalho criado em 2013 pela CE para propor a simplificação e o aperfeiçoamento do acordo ortográfico. Os especialistas devem apresentar até março de 2015 uma proposta aos senadores, que será então levada ao Executivo, para ser discutida com os outros países de língua portuguesa. É possível acompanhar as audiência neste link>>

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