Com tensão política, presidente da Guiné-Bissau demite governo do primeiro-ministro

Mundo Lusíada
Com agencias

JoseMario_PresidenteGuineBissauO Presidente da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, demitiu o Governo liderado por Domingos Simões Pereira, segundo um decreto presidencial lido às 23:10 de quarta-feira (horário local) na Rádio Difusão Nacional.

A decisão foi divulgada pela rádio pública da Guiné-Bissau duas horas e meia depois de o chefe de Estado ter feito um discurso à nação, no qual referiu que uma remodelação governamental não chegava para resolver a crise política no país.

O Executivo foi dissolvido pelo Presidente, José Mário Vaz, como resultado das tensões e divergências entre os dois responsáveis políticos na forma de governar o país. O governo português divulgou que tinha preocupação com a tensão política.

Domingos Simões Pereira, que nasceu na cidade de Farim, norte da Guiné-Bissau, em 1963, é engenheiro civil e industrial, formado pelo Instituto de Engenharia de Odessa, na Ucrânia, e mestre em Ciências da Engenharia Civil pela Universidade Estatal da Califórnia, em Fresno, nos Estados Unidos.

O Presidente da República da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, nomeou-o primeiro-ministro a 25 de junho de 2014 e era nessa qualidade que estava a lidar com problemas graves que sempre assolaram o país, como a questão da reforma das Forças Armadas, que estava a gerir de forma a levar as negociações e os acordos a bom termo. No entanto, ainda em 2014, o país assistiu aos primeiros momentos de tensão entre os dois principais dirigentes políticos do país, quando o Presidente, em novembro, exonerou Botche Candé do cargo de ministro da Administração Interna.

Em março passado, Domingos Simões Pereira e José Mário Vaz (conhecido como Jomav) deram um sinal de união em Bruxelas, durante uma conferência internacional sobre o país, a qual permitiu mobilizar apoios na ordem de mais de mil milhões de euros. A atuação de Domingos Simões Pereira naquela mesa redonda de Bruxelas foi muito importante no sentido de dar à comunidade internacional sinais de estabilidade no país, levano a que esta visse no Governo primeiro-ministro uma oportunidade de paz e desenvolvimento para a Guiné-Bissau, que já passou por inúmeros golpes de Estado nas últimas décadas.

Mas em junho, os sinais de problemas, nunca explicados publicamente, agravaram-se, levando o Governo a apresentar uma moção de confiança no parlamento, aprovada por unanimidade. A tensão cresceu na última semana, depois de veiculada a possibilidade de José Mário Vaz demitir o Governo, alegadamente por causa de dificuldades de relacionamento com o primeiro-ministro, Domingos Simões Pereira, e por discordar de algumas medidas do executivo, possibilidade discutida em conversa fechada.

“O Governo tem revelado preocupantes sinais tendentes a obstruir a realização da justiça, suscetível de pôr em causa a autonomia e independência do judiciário”, refere o decreto assinado por José Mário Vaz e a cuja versão integral a Lusa teve acesso.

O decreto presidencial refere que o Governo “é politicamente responsável perante o Presidente da República, não sendo essa relação de hierarquia e dependência funcional compatível com condutas que se consubstanciam em deslealdade, desconsideração e desrespeito institucional”. Por outro lado, “há uma quebra mútua do vínculo de confiança que permite a subsistência de uma normal relação institucional”.

“O não regular funcionamento das instituições tem provocado danos irreparáveis ou de difícil reparação às instituições do Estado, à consolidação da democracia constitucional” e é encarado como “um bloqueio à necessária conjugação de esforços para materialização dos desígnios nacionais”.

No discurso à nação que antecedeu a publicação do decreto, José Mário Vaz foi mais longe e acusou o Governo de corrupção e questionou o destino de 85 milhões de euros recebidos nos cofres do Estado nos últimos 12 meses.

Ramos-Horta “consternado”
O ex-Presidente timorense, José Ramos-Horta, manifestou-se “consternado” com a decisão do chefe de Estado guineense demitir o Governo, defendendo que Timor-Leste deve congelar de imediato a cooperação com a Guiné-Bissau. “A decisão não me surpreendeu mas não deixo de ficar consternado perante a total incapacidade da liderança guineense de superar as diferenças políticas e sociais, fazendo o país recuar de novo, face aos progressos registrados nos últimos 12 meses”, disse à Lusa em Díli.

José Ramos-Horta mostrou-se preocupado que a situação se agrave significativamente no plano interno, notando que o primeiro-ministro demitido “goza de grande legitimidade, sobretudo da camada jovem da população, pelos progressos havidos nos últimos 12 meses da sua governação”.

Também Mari Alkatiri considerou que a decisão do Presidente da Guiné-Bissau só descredibiliza o país num momento em que ainda estava a procurar recuperar essa credibilidade. “Qualquer estadista, num momento de desenvolvimento, de criação do Estado, deve saber sempre encontrar soluções por via do diálogo”, disse em entrevista à Lusa um dos líderes timorenses que se envolveu diretamente no apoio de Timor-Leste à Guiné-Bissau antes das últimas eleições legislativas e presidenciais no país.

Timor-Leste foi um dos países que mais se envolveu no apoio à Guiné-Bissau depois do último golpe de Estado, tendo canalizado mais de 10 milhões de dólares para o processo eleitoral e para apoio ao executivo. Os principais líderes timorenses envolveram-se pessoalmente no processo com figuras como Xanana Gusmão, Mari Alkatiri e José Ramos-Horta a intervirem diretamente.

Ramos Horta ainda defendeu que a ONU, a CPLP e a União Africana devem tomar “posições muito claras, sem ambiguidades, face à situação que se criou”. À TSF, disse que “não se pode permitir que o Presidente da República demita um governo, com um ano apenas de governação, sem lhe ter dado tempo para que governasse melhor”.

PM nega
Domingos Simões Pereira, o primeiro-ministro rejeitou as acusações de “corrupção” e desafiou o chefe de Estado a rever em conjunto com o FMI as contas públicas que pôs em causa. “Há um relatório do FMI sobre o desempenho do Governo e esse relatório demonstra que o Governo não só cumpriu as metas programadas que havia fixado, como ultrapassou claramente esse resultado”, referiu Simões Pereira, que preside ao PAIGC, depois de ter discursado perante os militantes na sede do partido – onde manteve reuniões com dirigentes e membros do Governo destituído.

“Vamos divulgar proximamente números exatos das contas públicas, mas penso antecipadamente que é fácil responder ao Presidente da República”, com base nos números do FMI, salientou.

Após o anúncio, também o representante especial do secretário-geral das Nações Unidas (ONU) no país, Miguel Trovoada, declarou que a comunidade internacional aguardará os próximos passos do Presidente. Em declarações à Rádio ONU a partir de Bissau, Miguel Trovoada deu conta dos planos do Presidente, que terá prometido pedir ao partido que venceu as últimas eleições legislativas, PAIGC, ao qual o Chefe de Estado também pertence, que proponha um novo chefe de governo.

Segundo ele, a comunidade internacional apenas pode apelar “à solução pacífica de todos os problemas, manutenção de um clima de estabilidade, e que o respeito dos direitos humanos e o respeito pelas regras constitucionais seja observado”.

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