Expressão “comunidades portuguesas” é um conceito do Estado Novo, diz historiador

Da Redação
Com Lusa

BandeiraSelecao_ParqueNacoesOs discursos políticos sobre a emigração portuguesas “escondem a verdade” e a expressão “comunidades portuguesas” é uma herança do Estado Novo que resistiu ao 25 de Abril de 1974, considera o historiador Victor Pereira. “Para as elites políticas, os portugueses no estrangeiro foram um substituto do Império (colonial) , provando a vocação universal do país”, defende Vítor Pereira, da Universidade de Pau e Pays de l’Adour.

Victor Pereira é autor do texto “Portugalidade para exportação? Emigração e Comunidades Portuguesas”, publicado inicialmente no jornal Le Monde Diplomatique e que faz parte da coletânea “Este País Não Existe”, que reúne vários artigos que foram editados na edição portuguesa do jornal francês em 2014 e chega às livrarias ainda este mês.

A expressão “comunidades portuguesas” não só resistiu ao 25 de Abril como se impôs nos discursos políticos com a instauração da democracia. A partir de 1977, o 10 de Junho, antigo Dia de Camões, de Portugal e da Raça, tornou-se o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, refere o autor, sublinhando que a Secretaria de Estado da Emigração – a primeira criada em maio de 1974 transformou-se em Secretaria de Estado das Comunidades em 1980, durante o VI Governo Constitucional, dirigido por Francisco de Sá Carneiro.

“O termo comunidade sugere que os portugueses reúnem-se naturalmente, formam agrupamentos regidos por solidariedades mecânicas, sem conflitos, nem divisões. O conceito remete para uma visão – partilhada pelo Estado Novo – das comunidades rurais harmoniosas, respeitadoras das hierarquias e onde a divisão social do trabalho é relativamente limitada”, salienta.

Victor Pereira escreve ainda que com o aumento das saídas do país – desde a crise de 2008 – os discursos sobre as mobilidades conservaram um cunho muito classista que ocultam parte dos processos sociais. “Nos anos 1980, 1990 e 2000, os portugueses não deixaram de emigrar. Os salários eram frequentemente muito mais compensadores em Espanha, Grã-Bretanha, Suíça ou no Luxemburgo”, refere.

Mas, para o acadêmico, as elites políticas e mediáticas preferiram evitar a temática que remetia para o “subdesenvolvimento do país” dirigindo as atenções sobretudo para os imigrantes símbolos da modernidade.

Para Victor Pereira, o atual “discurso mediático” sobre a emigração dos “jovens diplomados” esconde que a maioria dos que vai procurar trabalho no estrangeiro é constituída por trabalhadores não qualificados e que Portugal é ainda um país que fornece mão-de-obra barata.

No caso das mobilidades e mais particularmente da emigração são principalmente as elites políticas e intelectuais do país que produziram discursos sobre as causas e consequências dessas deslocações e deram sentido às vivências daqueles que deixaram Portugal. Por isso, refere, raros são os discursos dos próprios emigrantes sobre os motivos das partidas sobre o sentido da mobilidade e sobre a relação que mantêm com a terra natal.

“Fala-se dos emigrantes, fala-se por eles. Por vezes, os indivíduos que vivem no estrangeiro e partilham a mesma nacionalidade mas não a mesma posição social, distinguem-se deles usando outras palavras para se definirem (expatriados, exilados, deslocados, refugiados)”, sublinha.

Para o historiador, as categorias “forjadas” para representar as populações portuguesas que vivem no estrangeiro não são nem casuais nem espontâneas. Victor Pereira explica que a partir dos anos 1960, a expressão “comunidades portuguesas” veio representar as populações e os descendentes que se instalaram além das fronteiras portuguesas.

Nos debates parlamentares, exemplifica, a expressão “comunidades portuguesas” aparece em 1951, após a morte do marechal Carmona e poucos meses depois da “mudança semântica” que transformou as colónias em províncias ultramarinas.

O estudo recorda ainda que o termo “comunidade portuguesa” começa a ser usado com regularidade após 1964, ano em que é organizado em Lisboa o Primeiro Congresso das Comunidades Portuguesas no Mundo.

“Esta iniciativa é promovida pela Sociedade de Geografia de Lisboa, instituição dirigida entre 1964 e 1974 por Adriano Moreira, antigo ministro do Ultramar e professor influente do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos”, recorda.

O acadêmico acrescenta que o conceito “luso-tropicalismo” criado pelo brasileiro Gilberto Freyre sobre a “portugalidade” do Estado Novo perdura ao longo das décadas e nota que os antigos congressos escolhiam para “representantes” aqueles que eram de confiança política e detentores de uma condição social suficientemente alta para dar uma “boa imagem” dos portugueses no estrangeiro.

Para o historiador, pouco mudou. O livro “Este País Não Existe” (editora Deriva, 200 páginas) é coordenado por Bruno Monteiro e Nuno Domingos.

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