Moralidade e omissão na gestão da coisa pública

Alegra-me ter o Clube Militar dado início à campanha pela moralidade no país – tão pisoteada, nos últimos 12 anos com escândalos diários desventrados ao público pela imprensa. Nunca o Brasil viveu, no âmbito do governo federal, tamanho desvio de recursos públicos, cujos valores representam, de rigor, um verdadeiro assalto à sociedade, pelo Estado representada.
O último dos escândalos -e maior deles, em que se fala em, pelo menos, 10 bilhões de reais, o que é superior aos orçamentos de muitos Estados da Federação (!!!)-, está a demonstrar que nunca foi tão aplicável ao Brasil a famosa frase, em “Hamlet”: “há algo de podre no Reino da Dinamarca”.
Com efeito, duas seriam as vertentes para examinar-se uma eventual responsabilidade da Presidente da República e de de seu antecessor nos desvios constantes e permanentes de recursos públicos. A de prática de dolo, fraude ou má-fé, que só com provas materiais pode ser demonstrada, e a de culpa decorrente de omissão, imperícia e negligência, por não se ter detectado, ao longo de tantos anos, este verdadeiro saque aos recursos públicos para benefícios pessoais, por parte dos gestores da coisa pública.
Prefiro ainda não falar, no caso do “Petrolão”, de responsabilidade por dolo dos governantes, pois esta matéria está sob investigação e será, à evidência, objeto de profunda análise por acusadores, defensores e pelo Poder Judiciário.
Quero analisar, exclusivamente, e de forma sucinta, a culpa como geradora de responsabilidade, inclusive de ressarcimento por parte do agente que gerou lesão, como claramente comprovado nos episódios da Petrobrás.
A Presidente da República foi presidente do Conselho de Administração da empresa, durante parte do tempo em que ocorreram desvios ilícitos dos recursos da empresa. E, como Presidente da República, nomeou a nova gestora, em cuja administração os desvios continuaram.
Ora, o § 6º do artigo 37 da CF declara que a lesão causada pelo Estado, ao cidadão ou a sociedade gera a obrigação do Estado de indenizar, determinando, o § 5º, que tal lesão terá que ser ressarcida ao ente estatal pelo agente público que a gerou, POR CULPA OU DOLO.
Os dois dispositivos estão assim redigidos:
§ 5º – A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
§ 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (grifos meus)
Como se percebe, a responsabilidade do Estado é objetiva, vale dizer, independe de culpa ou dolo, bastando haver o nexo de causalidade entre a ação do agente público e o dano provocado. Mas a do agente, só ocorrerá por culpa (negligência, omissão, imperícia) ou dolo (fraude e má-fé). Esta, todavia, É IMPRESCRITÍVEL.
Ora, salvo melhor juízo, quem foi Presidente do Conselho de Administração da Petrobrás e Presidente da República, convivendo durante oito anos com este assalto de mais de 10 bilhões de reais –fatos estes comprovados— sem nada ter percebido, teria sido diligente no exercício desses cargos? À evidência, a conduta adotada nos seus anos de gestão direta e indireta, estão a demonstrar omissão, negligência ou imperícia, vícios de conduta que caracterizam a figura da culpa.
Para mim, a fala da presidente, declarando que, se tivesse sido alertada, na celebração de um negócio de dois bilhões de dólares (!!!), dos pormenores do contrato, não teria autorizado a compra da empresa americana, serve como demonstração de que não exerceu suas atribuições da forma como deveria, lastreando-se apenas em informações superficiais, sem examinar os aspectos inerentes a compra de tal magnitude.
É matéria que merece reflexão. O suceder dos fatos demonstrará se houve comportamento doloso dos detentores atuais do poder, nos desvios da Petrobrás. Para mim, todavia, a improbidade administrativa por culpa já está caracterizada por omissão, imperícia ou negligência.

 

Dr. Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected]  e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.

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