Liberdade religiosa e Economia

A ordem jurídica é conformada por direitos naturais e positivos. Os primeiros são inerentes ao ser humano e o Estado não os cria. Apenas reconhece. Assim é o direito à vida. Outros são direitos que o Estado cria e, se seu perfil for de Estado Democrático de Direito, cria-os pelo prisma da vontade popular, através de seus representantes. Assim ocorre com o regime de governo, que pode ser o parlamentarismo ou presidencialismo.

A Declaração Universal de Direitos Humanos é uma carta de direitos naturais, cujo grande inspirador foi um jusnaturalista tomista, René Cassin. Quase todos os direitos lá colocados são direitos naturais, inerentes ao ser humano. Quando o Estado não os respeita, transforma-se num Estado autoritário, quando não, em uma ditadura.

Os direitos naturais são próprios de todas as grandes religiões, que reconhecem na vida humana um dom outorgado por Deus à suas criaturas.

A evolução da humanidade, a partir da percepção da obra do Criador, sai da religião intuitiva do homem primitivo, para aquela em que reconhece, no universo, a mão de Deus.

O “Big Bang”, que os cientistas descobriram como sendo a origem do Universo no século passado, há milênios, os judeus já sabiam que ocorrera, lendo o Genesis do Velho Testamento, quando o Senhor disse “Fiat de Lux”, faça-se a luz e gerou o Universo conhecido.

Há uma busca incessante do homem por Deus e, quando nega o Deus verdadeiro, apega-se a outros “deuses” que passam a comandar a sua vida, como poder, sexo e dinheiro.

No pior dos homens há uma chispa divina, como aquela que fez São Dimas, ao declarar-se merecedor da crucificação, e reconhecer ser Cristo Deus e pedir que dele se lembrasse, quando estivesse no Seu Reino.

É esta chispa que faz com que todas as tentativas de intelectuais materialistas para eliminar Deus da vida humana fracassem, como ocorreu com o iluminismo francês; com Robespierre, na Era do Terror –criou a deusa Razão–; com os comunistas na Espanha, que mataram mais de 6.000 sacerdotes e religiosos em 3 anos, ou seja, muito mais pessoas do que em séculos e séculos da Inquisição em toda a Europa; com Lênin e Stálin, que não conseguiram esmagar o sentido religioso do povo russo.

No Estado Moderno, democrático, todavia, o Estado e a Igreja têm áreas de atuação diversas, não devendo haver a influência, enquanto instituições, entre eles. Atuam em campos separados, uma promovendo o ser humano, incutindo-lhe valores e preparando-o para a vida eterna; e outro organizando a sociedade e prestando serviços públicos ao cidadão.

O Estado laico, portanto, é o Estado onde a instituição Igreja – ou igrejas — não tem participação, muito embora todas as pessoas fiéis a um credo, enquanto cidadãos, têm a obrigação de exercer a cidadania e defender os valores em que acreditam. Assim é que, no Brasil, por ser a maioria absoluta crente em Deus – não são muitos os agnósticos e ateus —colocaram, por seus representantes, nas leis brasileiras, inúmeras disposições que valorizam a dignidade do ser humano e obrigam o Estado a respeitá-la.

De início, a Constituição foi promulgada sob a proteção de Deus, estando o seu preâmbulo assim redigido:

“PREÂMBULO: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL” (grifos meus).

Todos os dispositivos da lei suprema brasileira foram elaborados, conforme declararam os constituintes “SOB A PROTEÇÃO DE DEUS”.

Menos humildes que os constituintes anteriores – que apenas invocaram a proteção de Deus, por não saberem se Deus estaria de acordo com tudo o que tinham colocado no texto maior -, demonstraram, todavia, que a crença em Deus, própria da esmagadora maioria do povo, era o mote maior, no exercício da cidadania, razão pela qual deveriam Nele inspirar-se para aplicá-la.

E, assim sendo, diversos dispositivos de respeito à religião foram hospedados pela Carta Magna.

O Estado brasileiro não tem uma religião oficial, mas sua Constituição garante a opção religiosa, oferecendo imunidades às Igrejas de qualquer culto (art. 150, inc. VI letra “b”), não permitindo qualquer discriminação (art. 3° inc. IV), assegurando a liberdade de consciência, de crença e o livre exercício dos cultos e garantindo a proteção aos locais em que ocorrem, assim como à sua liturgia (art. 5º, inc. VI). Não priva de direitos qualquer cidadão por motivos de crença religiosa (art. 5° inc. VII), permite que uma pessoa recuse obrigações militares ou civis que atentem contra as suas convicções, desde que preste serviços alternativos (art. 5°, inc. IX). Garante, inclusive, o ensino religioso nas escolas (art. 210, § 1º).

O Estado-laico não é, portanto, um Estado Ateu. É um Estado em que as duas instituições convivem, trabalhando em campos diferentes, mas todos os cidadãos que têm crença possuem o mesmo direito de expressar suas opiniões que os ateus e os agnósticos. Em uma democracia, com o respeito ao direito da minoria, deve prevalecer a vontade da maioria, como ocorreu na lei suprema.

Ora, por defender a Igreja – e falo no sentido amplo das tradicionais religiões — valores, dignidade, ética, moralidade, bons costumes, próprios do direito natural, seus seguidores terminam por valorizar a democracia.

Neste particular, o eminente mestre em Teologia Dogmática e doutor em História da Igreja, professor José Ulisses Leva, em seu artigo “A teologia católica e de consumo” (Revista Espaço Ética, p. 164/169, abril/2014), mostra a importância da ética nos cursos de Administração e Economia para a formação de futuros empresários e consumidores, pois conformando objetivos mais condizentes com a natureza do ser humano. É que a ética nos negócios não representa um fator de descompetitividade, mas um polo de respeitabilidade, que favorece a própria evolução.

É interessante notar, como hoje, todas as empresas procuram mostrar, em seus balanços sociais, o que têm feito pelos seus empregados e pelo país, com ampla percepção do conteúdo de todas as encíclicas que, desde a “Rerum Novarum” (1890) foram elaboradas pelos pontífices católicos, em clara visão de que a boa imagem da empresa, que trabalha além da mera obtenção de lucros, é positiva para os negócios.

E temos a certeza de que todo cidadão prefere adquirir produtos de empresa cujos valores vividos sejam de maior dignidade do de que outras.

Mas, para isto, há necessidade de que aquele que entre no mundo dos negócios busque também produzir o melhor e prestar serviço de qualidade. Dizia São Jose Maria Escrivá, o santo do trabalho corrente, que o bom católico deve procurar viver os valores próprios de sua fé, mas deve também procurar aprofundar-se na sua profissão, para que dê o exemplo de trabalho bem feito.

Esta é a razão pela qual acredito que os valores religiosos levados à prática são bons para os negócios, propiciando desenvolvimento e progresso econômico e social. Mais do que isto, seus titulares não correm os riscos daqueles empreendedores duvidosos, que pretendem vencer a concorrência pela sonegação e corrupção, mas que, quando são flagrados, veem seus negócios serem tragados pelo Estado e pela opinião pública. Viver valores, ser competente, acreditar no seu Deus, oferta vantagens e competitividade aos que sabem fazer bom uso deles.

 

Dr. Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.

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