“Não aprenderam nada, não esqueceram nada”, por Carlos Fino

Por Carlos Fino

Quarta-feira da semana passada, o establishment político europeu respirou fundo de alívio com os resultados das eleições parlamentares na Holanda.

Ao contrário do que se temia na sede da UE em Bruxelas e nas diversas capitais, o Partido da Liberdade, de Geert Wilders, de extrema-direita, ficou longe de vencer o escrutínio e mais ainda de chegar ao poder: não foi além de uns magros 13%, muito aquém dos 20% que as sondagens, ainda há poucas semanas, lhe chegaram a atribuir.

O confronto político e diplomático que estalou entre a Holanda e a Turquia, dias antes da votação, certamente contribuiu para a mudança do sentido de voto de muitos eleitores.

Os ânimos ficaram exaltados com a retórica agressiva do presidente turco Recep Erdogan – que chegou a chamar “nazis” aos holandeses (logo eles, que estiveram entre as primeiras grandes vitimas da Alemanha hitleriana!) – gerando um compreensível sentimento nacional de indignação.

Aproveitando habilmente a ocasião, o actual primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, de centro-direita, elevou também o tom e radicalizou o discurso, fazendo seus alguns dos temas preferidos de Wilders, com  destaque para a “defesa intransigente da identidade nacional”.

Rutte recusou-se também a apresentar desculpas à Turquia pelo facto do seu executivo ter barrado a entrada na Holanda a um ministro de Ankara para aí fazer campanha junto da comunidade turca imigrante local.

Esta táctica rendeu-lhe excelentes resultados. Em poucos dias, Rutte inverteu o sentido do voto, subtraindo a Wilders a expectativa de vitória e obtendo para o seu Partido Popular para a Liberdade e Democracia 21% dos votos e 33 lugares no Parlamento. O que faz dele – num sistema político muito fragmentado como é o holandês – o mais votado e portanto em melhores condições para voltar a formar governo.

SITUAÇÃO AMBÍGUA

O fantasma de ver chegar ao poder, num país do centro europeu, um partido de inspiração nacionalista e xenófoba (considerado o “Trump holandês”, Wilders defende o fecho das fronteiras e a saída do país da UE), fica assim, para já, afastado.

Mas a situação é ambígua porque Wilders, mesmo perdendo, avançou: tem mais três lugares no Parlamento e conseguiu colocar os seus temas e preocupações na ordem do dia e no discurso do próprio governo.

Por outro lado, pela frente estão ainda as eleições na França, Alemanha e Itália, onde as forças populistas, apesar desta aparente travagem na Holanda, poderão registar avanços significativos.

Ainda é cedo, portanto, para se poder concluir que “o cosmopolitismo venceu o nacionalismo” na Europa.

Não foi por acaso que as correntes populistas ganharam força, nos últimos anos.

Na Europa como nos EUA, o globalismo ao serviço da grande finança internacional favoreceu uma certa elite – incluindo os funcionários europeus e alguma imprensa – mas deixou para trás muita gente, com o crescimento, um pouco por todo o lado, das desigualdades e da pobreza.

São os “esquecidos da globalização”, vítimas da aplicação cega de doutrinas neoliberais, da abertura descontrolada dos mercados, que agora tendem a castigar com o seu voto as forças políticas dominantes que os esqueceram e abandonaram, deles exigindo sempre mais e mais sacrifícios (a política do “ai aguenta, aguenta..” na expressão de um conhecido banqueiro lusitano, no auge da austeridade).

INTRANSIGÊNCIA SURDA

Exemplo paradigmático dessa mesma intransigência são as posições do ministro alemão das Finanças, Schauble, que parece determinado a expulsar do Euro países em dificuldades financeiras como a Grécia e Portugal.

Na mesma semana em que ainda pairava a ameaça de ver a Holanda enveredar pelo mesmo caminho da Grã-Bretanha, e sem que nada o justificasse, falando em Berlim, Schauble voltou a lembrar que Portugal pode vir a precisar de um novo resgate…

Isto, quando as próprias autoridades europeias em Bruxelas, bon gré mal gré, já reconheceram que Lisboa tem vindo a fazer um esforço notável de controlo do défice de forma sustentada.

É como se a Alemanha – que se recusa a adoptar uma política expansionista, como aconselhariam os seus sucessivos superávits, e que favoreceria os outros países membros – considerasse que a crise já foi definitivamente ultrapassada, não sendo necessárias nenhumas outras mudanças e que, portanto, a partir de agora, “quem não se comportar, leva!”.

É por estas e por outras que muita gente não se reconhece na actual UE, em que a Alemanha e os tecnocratas europeus ditam as normas e onde a proverbial solidariedade e respeito pelos diferentes interesses nacionais se tornaram letra morta.

Não espanta por isso que os deixados por conta tendam a votar em alternativas aos partidos consagrados, que há anos dominam o sistema, sem perspectiva de real mudança.

Desse intransigente e surdo establishment europeu se poderá afirmar, como Talleyrand disse certa vez dos nobres regressados a França, depois da queda de Napoleão: “não aprenderam nada, não esqueceram nada”.

Para esses, o chamado “populismo” poderia ter ao menos a virtude de um salutar despertar.

 

Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.

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