Fado no Brasil: Irene Coelho

Por Thais Matarazzo

FADO_IreneCoelho“Irene Coelho é uma das mais antigas e mais aplaudidas cantoras portuguesas de São Paulo. Pois Irene é a principal atração do Solar da Alegria, ali na Rua da Consolação, quase na esquina com a Rua Araújo. Vale a pena ouvi-la em lindos fados”, realçava o cronista Egas Muniz na sua coluna Giro Noturno, do Correio Paulistano de 16/5/1957.

Nascida em Rio Claro, interior paulista, em 1921, Irene Coelho tinha sangue português pelo lado materno. Desde a adolescência sentia atração pela música popular lusa. Cantou pela primeira vez na Rádio Atlântica de Santos, em 1937.

Seu amor por Portugal era tão intenso que acabou se casando com um português: Manuel Coelho dos Santos, comerciante e guitarrista.

Irene trazia o fado na alma e desejava ter um programa de rádio somente seu. Em abril de 1941, estreia na Rádio Cosmos o programa Melodias Portuguesas, que permaneceria no ar por 66 anos.

Sua trajetória artística seguia de “vento em popa” quando resolveu abrir um restaurante típico, escutando os conselhos do seu amigo e padrinho artístico, o fadista Manoel Monteiro.

Em abril de 1953, inaugura-se o Marialva, à Rua Luís Góes, nº. 994, na Vila Mariana. No interior do restaurante havia um local exclusivo dedicado ao fado, o Retiro dos Marialvas. Irene e Manuel Coelho esmeravam-se nos cuidados com os clientes e nas contratações dos artistas.

Nos finais de semana, formava-se uma fila enorme de pessoas na porta do restaurante.

Foi no Marialva que se apresentou, em 1953, Lucília do Carmo, Manuel Fernandes e José Luso. Outros fadistas radicados no Brasil, também tiveram presença garantida naquele “Pedacinho de Portugal em São Paulo”, como Maria Girão, Fernando de Freitas, Odete Machado, Dina Tereza, Aurélia Mendes, Quincas Gonçalves, Joaquim Macedo e Anita Menezes, que nos explica. “O ‘Marialva’ abriu numa época de popularidade dos restaurantes típicos. Havia a ‘Adega do Douro’, no centro, perto da Praça Clóvis Bevilaqua, que tinha um ambiente bem popular. O ‘Marialva’ era mais requintado. Muitas famílias portuguesas realizavam ali festas de aniversários, batizados, noivados, casamentos etc. Era uma loucura a frequência! Foi o auge da Irene Coelho. Ela ganhou muito dinheiro e cartaz com aquela casa”.

O fadista Manoel Monteiro foi o primeiro intérprete do fado no rádio brasileiro. No começo dos anos 50, estava afastado dos microfones. Deixou o tempo correr, cheio de saudades, aguardando a hora do reencontro com o público. Em outubro de 1953, Monteiro foi convidado para uma temporada na Rádio Nacional de São Paulo e aproveitando sua permanência na capital, Irene Coelho o convidou para atuar no Marialva. Foi outro acontecimento: jornais e revistas anunciaram o retorno do velho fadista. O público o prestigiou e o incentivou a continuar a cantar.

Com o êxito do Marialva, o casal Coelho resolveu abrir outra casa típica, o Solar da Alegria, à Rua da Consolação, nº 394, inaugurada a 29 de julho de 1954.

O cantor Francisco José esteve em São Paulo em 1955. Ficou tão encantado com Irene Coelho e o ambiente musical do Solar da Alegria, que uma noite resolveu fazer uma visita surpresa. Apareceu e cantou. O sucesso da noitada foi comentado por quem lá esteve durante muito tempo. Muito grata por esta atitude, Irene comentou sempre este acontecimento. Era “fã de carteirinha” do criador de Olhos castanhos.

Em 1957, uma portuguesinha recém-chegada de sua terra, começou a cantar no Solar da Alegria. Trata-se de Terezinha Alves, um dos grandes ícones do fado em São Paulo. Foi graças à insistência de sua madrasta – fanzoca de Irene Coelho -, que Terezinha estreou-se como fadista.

Por volta de 1960, os dois restaurantes foram fechados. Irene continuou realizando espetáculos e apresentando o Melodias Portuguesas; enquanto seu marido continuou a trabalhar no ramo do comércio, e claro, acompanhava a esposa nas suas atividades artísticas.

Irene Coelho faleceu aos 87 anos, em julho de 2008, na capital paulista.

 

Irene Coelho – fado
(Manoel Coelho / Afonso Martins)

Confesso sou brasileira

Com altivez e agrado

Canto a minha maneira

De Portugal o seu fado.

 

Eis a minha vocação

Que o fado jamais engana

Trago-o no meu coração

Como qualquer lusitana.

 

Sinto no fado a beleza

Duma tradição ditosa

Minha origem portuguesa

Torna-me bem orgulhosa.

 

Por isso quero cantar

O fado sentimental

Brasileira sei amar

A pátria mãe Portugal.

 

O Brasil e Portugal

São dois países leais

Nem sei dizer afinal

A qual deles quero mais.

 

Quero bem ao Brasil novo

Adoro Portugal velho

Quem fala assim nobre povo

Sou eu, Irene Coelho.

 

 

 

Por Thais Matarazzo
Trechos do livro “O Fado que cantei e outras canções…” (2015), Editora Matarazzo (São Paulo-SP); e 
“O Fado nas Noites Paulistanas…” (2015), de Thais Matarazzo, Editora Matarazzo (São Paulo-SP).

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