Democracia: Ruim com ela? Pior sem ela!

O ano de 2014 apresenta no 1º semestre um marco histórico para nosso país. É o aniversário de 50 anos da Revolução de 1964, conhecida também como ‘Redentora’, segundo os seus defensores ou, na maneira pela qual a oposição denomina o acontecimento, simplesmente ‘golpe de Estado’. O fato em si trouxe, na prática, a instauração de um governo com ‘mão de ferro’ para buscar corrigir os destinos da nação que, segundo os militares e seus apoiadores, levavam o Brasil àquela altura para um processo de ‘esquerdização’, isto é, de dominação dos partidários do comunismo. Temor que foi intensificado especialmente após a guerrilha cubana, liderada por Fidel Castro e Che Guevara, ter sido vitoriosa frente às forças de Fulgêncio Batista e implantando o socialismo na ilha em 1959. Para os EUA, foi um duro revés que até hoje não foi engolido, mesmo após tanto tempo ter se passado e até sido extinta a Guerra Fria entre 1989 e 91. Assim, com o apoio dos preocupados EUA, o Brasil voltava a vivenciar um regime ditatorial como prevenção contra o suposto ‘perigo vermelho’. O totalitarismo havia deixado de existir no país quando Getúlio Vargas abandonou o governo em 1945, fechando o Estado Novo de tendências fascistas. Naquela virada de março para abril de 1964 retrocedíamos, então, na vida política da nação.
Sabemos que o governo de JK, entre 1956 e 61, teve por duas ocasiões que se segurar contra levantes militares. Mas, naquele momento, dentro das próprias Forças Armadas, houve resistência pró-constituição e o presidente pode concluir o seu mandato, aliás, quando foi construído Brasília, um dos itens do famoso Plano de Metas (50 anos em 5). Logo após, Jango, que era vice e se tornou presidente após a renúncia de Jânio Quadros, não deu a mesma sorte e caiu. Os militares, então, ficaram no poder não dois ou três anos – para a tal ordem ser restabelecida conforme pensavam ser necessário – e sim 21 anos, até 1985, quando já estavam bastante desgastados, envolvidos com crise econômica e críticas da sociedade civil, assumindo então o governo federal José Sarney, por vias indiretas, pondo fim à ditadura.
Durante o longo processo de autoritarismo o país vivenciou o chamado ‘Milagre Econômico’ entre 1968 e 73, solidificou sua base industrial, ampliou telecomunicações, viu aumentar o fluxo do mundo rural para o urbano entre outras coisas, sempre com muita repressão sobre os movimentos sociais, aos sindicatos e partidos. Criava-se uma calma aparente, que buscava não revelar a guerrilha existente e as torturas cometidas, num crime bárbaro e mais lamentável ainda porque praticado pelo Estado, que deve sim ser responsável pela integridade de seus cidadãos, sejam eles a favor ou contra o regime. Porém, muita gente ainda hoje sente nostalgia daquela época, como é fácil se ouvir por aí. Tempos de “Brasil Grande”, de ufanismo, de vitórias no futebol internacional, de suposta ordem e de progresso que não foi repartido de forma adequada entre os diferentes segmentos da população. O regime não legou uma melhor distribuição de renda e nem acabou com o analfabetismo, duas pragas seculares. E, mais que isso, com o passar do tempo cada vez mais se aprende na prática que a suposta disciplina e tranqüilidade existentes apenas eram motivadas pelo amordaçamento da oposição.
Nos últimos dias, vésperas da efeméride dos 50 anos, vemos sair das sombras fatos como o caso do Riocentro, ocorrido em festa do 1º de Maio de 1981, quando um carro explodiu matando um ocupante, Guilherme do Rosário, e ferindo outro, Wilson Machado. Eram militares e carregavam uma bomba. Novos depoimentos vão dando as dimensões da coisa. Enquanto o capitão do exército Wilson Machado – que foi ferido na ocasião – nega envolvimento, um ex-delegado, Cláudio Guerra, afirma que havia um plano para que um artefato fosse colocado no palco para atingir os artistas. A viúva do sargento Guilherme do Rosário, Sueli José do Rosário, ficou em silêncio por mais de 30 anos por ter sido ameaçada, segundo contou ao Ministério Público Federal. O MPF investiga grupos que lutavam contra o fim da ditadura. Conforme levantamento, somente nos primeiros meses de 1980, foram 46 explosões atribuídas aos militares. Uma das ocasiões mais lembradas foi da carta-bomba enviada à sede da Ordem dos Advogados do Brasil, no Rio, que matou a secretária Lyda Monteiro. Ainda sobre o Riocentro, Claudio Guerra diz que havia sido destacado, para despistar, prender pessoas falsamente ligadas à explosão. No depoimento, ele revela a existência de mais uma bomba que tinha como alvo o palco e os artistas. Ele diz: “- Seria colocado no palco, justamente para atingir… A comoção seria a morte de artistas mesmo, né?”
Outro caso é o depoimento do Major do Exército Erimá Pinheiro Moreira, que testemunhou como o Comandante do II Exército em São Paulo, Gal. Amaury Kruel, traiu Jango no Golpe de 1964, por seis malas cheias de dólares, em notas novas, sacadas de um banco norte-americano, conforme contou a João Vicente Goulart, filho de Jango, e Verônica Fialho, que gravaram em vídeo a fala do militar. Na Comissão da Verdade, da Câmara de São Paulo, o Major Erimá lembra ainda que a meia dúzia de malas continham US$ 1,2 milhão e foram levadas pelo então presidente da FIESP Raphael de Souza Noschese. Corrupções e deslealdades entre outros desvios éticos nunca podem ser chamadas de atos patrióticos.
Estas são algumas histórias entre várias que ocorreram envolvendo as Forças Armadas e os mentores da ditadura militar contra seus opositores, num conflito que durou mais de duas décadas. Fica uma reflexão a respeito disso, cada vez mais forte em seu argumento: o país não precisava ter passado por tudo isso e, se a democracia é ruim, sem ela nota-se que a coisa fica muito pior ainda. São Paulo, 28 de fevereiro de 2014.

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

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