O Sigilo Fiscal No Brasil e em Portugal

Por Eduardo Neves Moreira

sigilo fiscal é a proteção às informações fiscais prestadas pelos contribuintes. Há cuidados que os fiscos devem tomar em relação às informações que possuem. O sigilo fiscal é assegurado pelos direitos fundamentais protegidos constitucionalmente. Através da informação pode-se obter dados particulares sobre a vida e a intimidade das pessoas. O trabalho com informações é limitado pela proteção à vida privada do cidadão. Os fiscos, então, ficam impedidos de divulgar informações como aquelas que se referem aos hábitos de consumo de uma determinada pessoa.

O sigilo fiscal está legalmente inserido na Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional (CTN):

“Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. (Redação dada pela Lcp nº 104, de 2001)

  • 1oExcetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes: (Redação dada pela Lcp nº 104, de 2001)

I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001);

II – solicitação de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001).

A lei que regula o sigilo fiscal por parte de estabelecimento bancário, no Brasil, é disciplinado pela Lei Complementar nº 105, de 10 de Janeiro de 2001 e a quebra desse sigilo está especificada no artigo 10º. da mesma lei, que diz:

“Art. 10. A quebra de sigilo, fora das hipóteses autorizadas nesta Lei Complementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis”.

Por sua vez, a Lei 9.311, de 24 de Outubro de 1996, também trata do tema e determina, em seu artigo 11, que:

“§ 2° As instituições responsáveis pela retenção e pelo recolhimento da contribuição prestarão, à Secretaria da Receita Federal, as informações necessárias à identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações, nos termos, nas condições e nos prazos que vierem a ser estabelecidos pelo Ministro de Estado da Fazenda;

  • 3oA Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no art. 42 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores. (Redação dada pela Lei nº 10.174, de 2001)“.

Por sua vez, em Portugal, o tema sigilo fiscal, merece a seguinte apreciação:

O sigilo Fiscal encontra-se, atualmente consagrado no artigo 64.º da Lei Geral Tributária (LGT) sob a epígrafe “Confidencialidade”.

Este dever impende sobre “dirigentes, funcionários e agentes da administração Tributária”, encontrando-se estes “obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado” (art. 64.º n.º1 da LGT).

O mesmo artigo, no seu n.º2, enuncia as circunstâncias em que este dever cessa e, no seu n.º 5, demonstra uma preocupação do legislador em esclarecer que determinados atos da administração, que à partida poderiam ser violadores deste dever, na realidade são comportamentos legítimos ao abrigo deste preceito, por não violarem a sua “ratio”, como mais adiante veremos.

Dada a consagração abrangente do dever de sigilo fiscal operada pela LGT, este acabou por ter uma reduzida expressão no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Aliás, o artigo 51.º n.º3 do CPPT decorre do artigo 64.º da LGT, limitando-se a consagrar uma extensão do dever de sigilo fiscal a outras entidades nos mesmos termos do sigilo da administração.

Reveste a maior importância, perceber quais as situações concretas enquadráveis na noção de Sigilo Fiscal.

Independentemente do texto legal que sirva de apoio, o sigilo fiscal encontra-se sempre relacionado com a “situação tributária do contribuinte”, nomeadamente com a sua “capacidade contributiva”.

A título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11/16/2011 refere:

“Estão abrangidos pelo dever de sigilo fiscal os dados relativos à situação tributária dos contribuintes, nomeadamente quaisquer informações, quaisquer elementos informatizados ou não, que reflitam de alguma forma a situação patrimonial dos sujeitos passivos da obrigação de imposto, sejam pessoas singulares ou coletivas. A expressão «situação tributária dos contribuintes» abrange os dados detidos pela administração Fiscal, que, de um modo ou de outro, parcelar ou globalmente, digam da capacidade contributiva dos cidadãos”.

No mesmo sentido, encontramos o parecer n.º 25/2009 da Procuradoria-Geral da República.

Em suma, todos os elementos dos quais seja possível aferir da capacidade contributiva do contribuinte são, necessariamente, sigilosos. De tais elementos podemos desde logo destacar as informações relativas aos rendimentos de que o contribuinte é titular, às deduções e despesas que efetue, aos móveis ou imóveis de que seja proprietário, a existência ou não de débitos ou créditos fiscais, o tipo e valor de bens e serviços produzidos, bem como a própria declaração de rendimentos a que este está obrigado e que visa possibilitar o apuramento da obrigação de imposto.

Porém, como salienta Carlos Pamplona Corte-Real, “não é tanto um dado fiscal isolado que preocupará o legislador quando impõe a confidencialidade fiscal, mas os dados fiscais que digam algo de forma mais ampla acerca da situação patrimonial dos contribuintes. Os dados fiscais, de per se, terão índole «neutra» se não configurarem a expressão personalizada da situação tributária do contribuinte”.

A preocupação do legislador prende-se com informação dita já analisada e “fiscalmente trabalhada”, ou seja, já submetida a um processo administrativo de interpretação dos dados recolhidos para que, desta forma, seja possível aferir a situação tributária do contribuinte.

Dados que não reflitam nem denunciem minimamente a situação tributária do contribuinte, como a declaração de início e de cessação de atividade, não são factos enquadráveis na noção de sigilo fiscal.

Importa não descurar uma referência, já feita anteriormente, aos crescentes níveis de informatização dos serviços da administração Tributária.

O Sigilo Fiscal é aplicável aos dados que se encontram no suporte supra referido, conforme se pode aferir do preceito constitucional, o artigo 35.º da CRP, e do artigo 4.º da Lei n.º 67/98 (Lei de Proteção de Dados Pessoais).

Refira-se que o dever de sigilo fiscal impende, prioritariamente, sobre a administração fiscal relativamente aos dados dos contribuintes por si diretamente recolhidos e não ao sigilo que enquadre outros dados, nomeadamente os solicitados pela administração, no âmbito da sua atividade, a outras entidades as quais poderão estar enquadradas num regime específico de sigilo (pense-se nos Bancos ou na CMVM). Porém, uma vez recebidos esses dados no procedimento tributário, passam os mesmos a estar igualmente protegidos pelo sigilo fiscal.

Discute-se se o sigilo fiscal abrange, ou não, informações consideradas públicas tais como as que constam dos registos comercial, Civil, Predial e de pessoas coletivas. Os registos têm, efetivamente, como função publicitar certos atos, pelo que a informação que revelam é livremente cognoscível. A solicitação de informação aos registos apenas violará o sigilo fiscal se, parcelar ou globalmente, essa informação permitir a aferição da situação tributária/patrimonial do contribuinte. Parece ser unânime, por exemplo, que “o teor matricial de qualquer prédio não constitui matéria de carácter reservado ou secreto que importe o dever de sigilo”, conforme revela a Auditoria Jurídica do Ministério das Finanças, em 3 de Fevereiro de 1995.

Problema diverso é o da articulação entre o Sigilo fiscal e o princípio da Administração Aberta.

O sigilo fiscal tem como antecâmara o artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), seu núcleo constitucional, nomeadamente o seu n.º 1 e 2, e o artigo 80.º do Código Civil (CC). É no princípio constitucional da reserva da intimidade da vida privada que o dever de sigilo fiscal se baseia.

Por outro lado, o Princípio da Administração aberta, previsto no artigo 65.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), encontra a sua base no artigo 268.º da CRP (onde se distingue entre direito à informação procedimental – n.º1, e o direito de acesso a arquivos e registos administrativos), no artigo 37.º da CRP (dispondo que todos têm “o direito de informar, de se informar e de ser informados”), bem como o artigo 48.º da CRP (que preceitua que todos os cidadãos têm “o direito de ser esclarecidos objetivamente sobre os atos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos”).

No mesmo sentido, o artigo 5.º da Lei n.º 46/2007 dispõe que “todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”.

Todavia, face ao reconhecimento, também constitucional, do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrado no artigo 26.º da CRP, que visa impedir o acesso e divulgação não autorizada de informações sobre a vida privada e familiar de outrem, o legislador foi obrigado a estabelecer restrições (cujo fundamento constitucional se encontra no artigo 18.º da CRP) ao direito à informação e a criar instrumentos jurídicos que funcionem como garantias do direito á privacidade, como é o caso do sigilo fiscal.

Ora, e conforme refere o Acórdão do STA de 11/16/2011:

“a consagração da regra do sigilo fiscal corresponde, precisamente, à extensão e reconhecimento do direito à privacidade no âmbito da atividade tributária, enquanto direito fundamental constitucionalmente consagrado, que privilegia a tutela da intimidade privada dos contribuintes e que se traduz num impedimento quer ao acesso a estranhos quer à divulgação de informações disponíveis acerca da vida pessoal e privada dos contribuintes”.

Como tal, o sigilo fiscal consubstancia uma restrição ao acesso a informação privada que permita aferir da situação tributária do contribuinte.

Por último, a violação do Sigilo Fiscal encontra-se prevista nos artigos 91.º e 115.º da Regime Geral para as infracções tributárias (RJIF), podendo ainda o cidadão defender-se com base no artigo 195.º do Código Penal, “ex vi” artigo 3.º do RJIF. Nenhum destes preceitos faz referência ao prejuízo patrimonial que possa advir do desrespeito do sigilo fiscal, pelo que não é necessário que ocorra para que haja violação do mesmo. Bastará a devassa do segredo.

 

Por Eduardo Neves Moreira
Ex-Deputado da Assembleia da República Portuguesa
Acadêmico titular da Cadeira nº 34 da Academia Luso-Brasileira de Letras

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