Opinião: O anúncio do Novo Banco

Por Miguel Reis

BES_NovoBanco

O “Novo Banco” fez publicar em toda a imprensa um anúncio que, para além de ser lesivo dos interesses dos investidores no Banco Espírito Santo S.A., ofende, de forma direta e frontal, o disposto no Código da Publicidade e, para além disso, a ética, a moral e o direito.
Começa por dizer o anúncio que “n
Trata-se de uma enorme mentira, mas, mais do que isso, de uma perversão de princípios informadores do nosso sistema jurídico.ascer com mais de 2 milhões de clientes é um bom começo”.
A relação de clientela é uma relação voluntária, que assenta, essencialmente, numa opção do cliente por relação a um operador.
O Novo Banco não nasceu com 2 milhões de clientes. Apropriou-se deles, por via de uma medida autoritária de confisco.
A criação de uma carteira de 2 milhões de clientes pelo Banco Espirito Santo S.A. custou milhões de euros e faz parte do património dos acionistas desse banco e não do Banco de Portugal ou do clone com que ele intervém no Novo Banco, o chamado Fundo de Resolução.
Uma apropriação, chame-se-lhe o que se quiser, nunca é um bom começo, por mais sublime que seja a arte de roubar.
Uma apropriação, sem fundamento moral – porque não há direito sem moral –  é uma coisa que deve meter nojo, que não devemos ensinar aos nossos filhos ou aos nossos netos e, muito menos, propagar aos 7 ventos, como se se tratasse de uma virtude.
Não pode o banco do confiscador afirmar que “começou uma nova vida na vida do  seu banco”,
Isso é ofensivo de boa parte das pessoas que trabalharam durante décadas com o Banco Espírito Santo e que não se reveem neste confisco de contas, atentório de tudo a começar pelo sigilo bancário.
O meu banco poderia falir. Mas não devia ter sido violado, profanado, desviado, com todos os meus segredos e mais milhões de outros, por gente que nós não escolhemos, que não queremos e de quem temos repulsa, porque são do tipo de gente que cospe na própria sopa que lhes servem.
É um insulto que nos digam, os que se apropriaram do espólio das nossas relações com o nosso banco, que estão  “com confiança renovada”, quando temos por eles, como por todos os que se apropriam de coisa alheia, o mais profundo desprezo.
Insultuoso é, também, que nos digam que fazemos parte do molho do que “havia de bom, a começar por si, nosso cliente.”
É que, ao fazerem isso nos misturam, em pé de igualdades com as coisas confiscadas, como se nós próprios fossemos, ou tivéssemos sido, objeto de confisco.
Acresce a isso que, logo a seguir se adiciona mais uma fraude à nossa referida identidade –  o “nosso cliente…” –  a de que “começamos com uma rede de mais de 600 balcões em todo o país, um gestor que sabe o  seu nome, os produtos e serviços certos, os canais diretos que já usa (…) os meios de pagamento que já utiliza e a competência de 6 mil colaboradores.”
Um vigarista diplomado não diria melhor.
É que nada começou agora.
Na natureza, nada se cria, nada se muda e tudo se transforma, como ensinou Lavoisier.
Se estivéssemos perante gente séria, pessoas que não nos quisessem enganar, teríamos uma outra mensagem: a da transformação, no respeito pelo que existiu e pelas mudanças.
Mas não: mentem na própria origem, ludibriando-nos com a ideia de um Novo Banco, que nada tem de novo.
O Novo Banco não existe como realidade: é um bluff, construído com o que foi feito pelo Banco Espírito Santo S.A., na base da apropriação do seu negócio, começando pelos clientes, pelas agências, pelos funcionários e acabando nos próprios sistemas informáticos, nos programas de acesso às contas e nos segredos que construímos todos nós na relação de cumplicidade que é sempre a do cliente com o banqueiro.
Muito pior do que um assalto imaginário a um banco, na totalidade das suas agências, é imaginar um assalto que nos transforma a nós próprios emparte dos despojos, como se fossemos tão miseráveis como dinheiro que cifra os olhos dos Patinhas de todo o Mundo.
Essas razões subjacentes a estes desvios atacam as raízes da ética, da moral e do direito.
Da ética porque, até por razões de higiene,  não lícito mentir assim, tão descaradamente, em meios que são de comunicação social.
Da moral porque o anúncio em causa é, e si mesmo, uma indecência.
Do direito porque ele ofende normas legais concretas e objetivas.
Os anúncios agora difundidos ofendem  princípios elementares do direito da publicidade, a começar pelo princípio da veracidade (artº 10º do Código da Publicidade) que reza assim:
“1 – A publicidade deve respeitar a verdade, não deformando os factos.
2 – As afirmações relativas à origem, natureza, composição, propriedades e condições de aquisição dos bens ou serviços publicitados devem ser exatas e passíveis de prova, a todo o momento, perante as instâncias competentes.”
O Decreto_Lei nº 57/2008, de 26 de março estabelece que “é enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente corretas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja suscetível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos(…)”
A publicidade, como diz o nosso Código da dita, consiste em qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma atividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objetivo direto ou indireto de promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços ou promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições.
Nos países decentes entende-se que a publicidade deve ser verdadeira e leal.
Nada chocaria que, tendo havido uma intervenção de um regulador público no Banco de Espírito Santo e havendo a intenção de vender o negócio a terceiros se publicitasse isso, de forma clara, límpida, leal, sem vigarices, contando a verdade como ela é.
Adotar-se o infeliz método de vender gato por lebre é absolutamente censurável e danoso dos interesses dos donos do negócios confiscado, que são os acionistas, todos eles com o direito de pedir contas pela gestão do que lhes confiscaram.
É interessante perguntar, neste momento, qual é o interesse na destruição de uma marca, ainda há pouco avaliada em mais de 630 milhões de euros – a marca BES, que é propriedade dos acionistas do banco interdito.

Por Miguel Reis
Advogado, fundador, sócio e administrador da Miguel Reis & Associados – Sociedade de Advogados. Site: www.lawrei.com

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