A intersetorialidade no resgate da dívida social

A ascensão socioeconômica de 30 milhões de brasileiros nos últimos anos, embora extremamente positiva, não deve arrefecer o empenho nacional voltado à erradicação da miséria. Afinal, segundo números oficiais, ainda enfrentam essa perversa condição cerca de 19 milhões de pessoas. Resgatá-las dos grotões de subdesenvolvimento que ainda nos separam do primeiro mundo é uma prioridade absoluta do governo e da sociedade.

Considerando a dimensão do desafio, é alentador constatar que temos excelentes condições de enfrentá-lo e vencê-lo. Refiro-me ao potencial da somatória de políticas públicas e das ações do Terceiro Setor, que já proporcionou avanços expressivos, como a transformação do Brasil numa nação predominantemente de classe média (52% dos habitantes) e o não recrudescimento da pobreza durante a grave crise mundial de 2008 e 2009. No entanto, é preciso articular melhor e mais eficazmente todo esse conjunto de esforços, de modo a evitar a superposição de projetos e o desperdício de recursos e para que se viabilize de maneira mais rápida a obra inacabada da inclusão social.

O modelo mais contemporâneo e eficiente para solucionar essa complexa equação chama-se intersetorialidade. Trata-se da constituição de redes dedicadas, cada qual com foco específico, às causas do ensino, saúde, cultura, formação profissional, geração de renda, proteção a jovens e adultos sob risco social e/ou sem vínculo familiar, esporte e lazer educativos, dentre outras demandas. Contudo, ao invés de ações dispersas e às vezes até redundantes de distintos organismos e instâncias do poder público e instituições beneméritas, o trabalho passa a ser realizado de maneira organizada, compartilhada, sinérgica e transparente entre todos os atores que constituem o conceito mais pleno de nação, ou seja, a sociedade organizada (por meio das fundações, institutos e empresas) e o governo (federal, estadual e municipal).

As chamadas redes sociais, dessa maneira, são estruturas que congregam pessoas e organizações públicas e privadas, de maneira horizontal, democrática e participativa, na construção de projetos coletivos em prol do bem comum.  É uma estratégia inovadora e que, além de ampliar a produtividade dos esforços e investimentos no social e melhoria da qualidade da vida, contribui muito para o avanço da jovem democracia brasileira, cuja base assenta-se justamente na organização cívica e pacífica da sociedade nos anos 80. Desde os memoráveis comícios das “Diretas Já”, há 27 anos, e da Constituição de 88, uma das mais avançadas do mundo no tocante aos direitos individuais e coletivos, avançamos de modo significativo, mas podemos e devemos ir além, em especial no tocante à participação mais efetiva, dos indivíduos e das comunidades, no processo de desenvolvimento.

O advento da intersetorialidade, portanto, suscita, também, o aperfeiçoamento do Estado, desvinculando as políticas públicas, principalmente as de cunho social, das velhas e indesejáveis práticas clientelistas. Compartilhando com a sociedade ações profissionais e eficazes, com foco em resultados efetivos e soluções, o governo cumpriria de modo mais efetivo o papel específico que dele se espera no tocante ao cumprimento das leis, justiça, fiscalização e segurança.

A organização e operação das redes intersetoriais dependem, obviamente, da capacidade de financiamento das ações, incluindo o estabelecimento de parcerias das entidades de benemerência com fontes de recursos financeiros privadas (empresas) e governamentais. Nesse sentido, temos nos mobilizado de modo bastante dinâmico e proativo. A Confederação Brasileira de Fundações (CEBRAF) é uma das signatárias da “Plataforma por um novo marco regulatório para as organizações da sociedade civil”, entregue, no final do ano passado, a todos os candidatos à presidência da República.

Nossa expectativa é a de que a presidente Dilma Rousseff, que já demonstrou sua sensibilidade para o social e deixou clara a intenção de erradicar a miséria, encaminhe favoravelmente as sugestões contidas no documento. Uma delas refere-se justamente ao “acesso democrático aos recursos públicos, que permita a operacionalização desburocratizada e eficiente das ações de interesse coletivo”. Os demais itens são consentâneos com o conceito da intersetorialidade: “Processos e instâncias efetivos de participação cidadã nas formulações, implementação, controle social e avaliação de políticas públicas; instrumentos que possam dar garantias à participação cidadã nas diferentes instâncias; o estímulo ao envolvimento da cidadania com as causas públicas, criando-se um ambiente favorável à autonomia e fortalecimento das organizações da sociedade civil; um regime tributário apropriado e favorecido para elas, incluindo o aprimoramento de incentivos fiscais para doações de pessoas físicas e jurídicas.

Outro importante momento para o debate dessas questões cruciais para a Nação será o 6o Encontro Paulista de Fundações, em 25 de agosto, na cidade de São Paulo, que reunirá palestrantes de reconhecido gabarito. O tema central será “Formas de Fomento/Financiamento do Terceiro Setor, Parcerias Públicas e Privadas”. No evento, promovido pela Associação Paulista de Fundações (APF) e que se consolida como um dos principais fóruns nacionais no âmbito das organizações da sociedade civil, reafirmaremos que queremos, podemos e sabemos como converter o Brasil num país desenvolvido, justo e socialmente sustentável!

Dora Silvia Cunha Bueno
Presidente da Confederação Brasileira de Fundações (CEBRAF) e da Associação Paulista de Fundações (APF).

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