Antonio Almeida e Silva abre sua casa e fala da paixão por Portugal e Comunidades

O Mundo Lusíada foi convidado a entrar na casa de Antonio de Almeida e Silva, para conhecer sua paixão pelos livros, pela história de Portugal e pela comunidade portuguesa.

Vanessa Sene
Mundo Lusíada

Antonio de Almeida e Silva, presidente do Conselho da Comunidade Luso-Brasileira, em sua biblioteca. Foto: Mundo Lusíada

Atual presidente do Conselho da Comunidade Luso-Brasileira de São Paulo (CCLB), Antonio de Almeida e Silva guarda em sua biblioteca particular uma gama de livros raros que contam a história do Portugal antigo e do Portugal atual.
Aficionado por obras raras, Almeidinha, como é conhecido na comunidade, mostra com orgulho obras como de Fernão Mendes Pinto, “Peregrinação” de 1632, “Os Maias”, de Eça de Queiroz de 1888, de Antero de Quintal, “In Memorian” de 1896, adquirida num leilão em Lisboa, por 480 dólares. Algumas tão raras que no Brasil podem ser encontradas apenas no Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro, a maior biblioteca de autores portugueses fora de Portugal.
Entre outras vimos Almeida Garret, “Viagens da Minha Terra”, a Grande Enciclopédia Luso-Brasileira e seus 42 volumes, e Maria Manuela Aguiar, em “Igualdade de Direitos” – na qual a autora cita um artigo de Almeidinha. A Revolução dos Cravos em 1974 e toda a trajetória política pós-revolução, num total de quatro mil livros, fora outro acervo em seu escritório de trabalho.
Mas a sua paixão não é apenas por livros. Ele também coleciona artigos e recortes de jornais que ilustram a história da comunidade portuguesa de São Paulo. São registros raros de tudo que se produziu de importante na comunidade desde 1974 até os dias atuais. Títulos de jornais variados, alguns nem existem mais, o que torna o conteúdo ainda mais especial. Tudo distribuído em 38 pastas com arquivos de todo tipo de reportagens. “A idéia é retratar esse percurso da comunidade” diz ele que guarda arquivos da Portuguesa de Desportos separadamente. São 11 pastas de recortes da época em que esteve na presidência do COF. “Uma paixão desvairada pela questão da nossa diáspora. Realmente, desde pequeno um tema que sempre me despertou e emocionou é o relativo aos emigrantes portugueses, estes que Miguel Torga definiu tão bem de ‘os filhos que não couberam no berço’” diz.
Almeida e Silva garante que tudo está à disposição da comunidade. Ele pretende editar parte deste conteúdo em uma obra com três volumes, que já em andamento. Dentre os destaques do seu livro, a criação do CCLB em 1981, e a decisão unânime de ter Valentim dos Santos Diniz na sua presidência, tendo sido ele eleito, também por unanimidade, como Secretário Geral, cargo ocupado por 12 anos sob presidência do Comendador Valentim dos Santos Diniz, fundador do Grupo Pão de Açúcar. “Uma figura que reputa uma das maiores lideranças de todos os tempos, tenho profundo orgulho de ter trabalhado com ele” afirma em visível emoção. 
Dados e fatos que formam um arquivo tão rico, e provavelmente único na comunidade portuguesa, vai um dia ser da própria comunidade. Almeidinha pretende fazer doação dos livros e pastas sobre essa história às instituições culturais portuguesas. Em algum dia, num futuro próximo.
Este é um dos líderes mais respeitados da comunidade, e não só, ele reúne em sua casa mais de 80 homenagens e condecorações, com destaque para a Comenda do Governo Português (1987), a Medalha de Mérito da Emigração do governo de Portugal (1985), Medalha de Mérito da Assembléia Legislativa, Diploma de Mérito da Câmara Municipal de São Paulo, Medalha João Ramalho da Câmara de São Bernardo do Campo, Comenda Pero Vaz de Caminha, além de dezenas de honrarias concedidas por quase todas associações de São Paulo, Rio de Janeiro, e no exterior em comunidades na Venezuela, Canadá, Estados Unidos, Bruxelas, Paris, Argentina e Uruguai. Foi ainda revisor, em 1981, da obra do professor Carlos Alberto Mota Pinto, então Ministro da Defesa de Portugal, no seu livro “Cessão da Posição Contratual”. 

VINDA PARA O BRASIL
Almeida e Silva chegou ao Brasil em novembro de 1956, no navio North King, cumprindo um percurso muito comum na época que os portugueses saiam de Portugal para buscar dias melhores em outras terras. Acompanhado dos pais, ele chegou ao Brasil aos dois anos. “Eu me considero um luso-brasileiro por inteiro. Todo português, para onde vai, se integra de tal forma que acaba tendo duas pátrias. O meu caso não foge à regra”.
Com uma infância difícil, trabalhou desde pequeno enquanto estudava nos primeiros estágios. Ainda muito jovem, trabalhou em padaria, mais tarde com o seu pai, e finalmente como sócio da tradicional casa na Av. Tiradentes, “Padaria e Confeitaria São Paulo Moderno”, onde ficou até ingressar na Faculdade de Direito do Largo São Francisco da USP. “Até hoje tenho profundo orgulho do setor da panificação, por tudo que ele representa, principalmente para a nossa gente” revela.
Foi em 76 que ele entrou na sociedade do escritório de advocacia na qual atua, permanecendo até hoje como um dos seis sócios da Sociedade Mesquita Pereira, Marcelino, Almeida, Esteves Advogados.

ASSOCIATIVISMO
Desde 1974, quando o Comendador Joaquim Justo dos Santos o levou para a Portuguesa, Almeida trabalhou com Oswaldo Teixeira Duarte nos esportes amadores, “um homem que aprendi a admirar e era um grande líder”. Depois ocupou diversos cargos na Diretoria e no Conselho Deliberativo, e de 94 a 98, foi o presidente, por duas gestões do COF da Portuguesa, importante órgão de orientação e fiscalização da entidade. “A Lusa é o clube que expressa toda nossa paixão. Se tivesse ganho o Brasileiro em 96, por coincidência eu estava lá no COF, teria mudado a história do clube”.
Foi em 81 que ele acabou eleito sucessivamente Conselheiro das Comunidades, passando pelos sucessivos governos de Portugal. Integrou o Conselho Permanente, sendo representante do Brasil e depois do continente América do Sul. Além disso, integrou as comissões de estudo e alteração da Convenção da Igualdade de Direitos, juntamente com a Dra. Maria Manuela Aguiar, de quem foi suplente de deputado na Assembléia da República.
Na vigência de um novo formato do CCP, em 97, foi escolhido pelos 100 Conselheiros reunidos na Assembléia para presidir o Grande Plenário durante cinco dias, na presença das mais altas autoridades do país. “Este fato é um dos mais emocionantes da minha vida, foi um grande desafio”.
Sem ser candidato, foi eleito Conselheiro novamente em 2003, pelos Conselheiros das Américas, África, Ásia para Presidente Mundial do CCP, cargo que cumpriu de 2003 a 2005. Segundo ele, este é “o maior cargo que um emigrante português pode ocupar. Para mim realmente foi algo indescritível poder conhecer de perto e melhor as nossas Comunidades. Se já as admirava, passei a admirá-las ainda mais. Considero que as comunidades portuguesas são a melhor expressão da grandeza de Portugal e da sua natureza de universalidade”.
Almeida comentou que cumpriu seu mandato até o final, sem jamais ter tido qualquer problema com o então Secretário de Estado das Comunidades José Cesário (atualmente recolocado no cargo), as “diferenças” foram sempre orçamentais. “Sempre houve imenso respeito de parte a parte, e isso me fez admirá-lo. Foram dois anos bons. Participamos da reestruturação consular da época no mundo todo, conseguimos melhorar algumas coisas. Foi uma época muito boa, que eu acho que acrescentou muito e que também facilitou a ação de hoje”.
Desde 2006, Almeida e Silva preside o Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São Paulo. Lá, em conjunto com uma diretoria basicamente formada por dirigentes associativos, iniciou o processo de resgate da instituição, estando agora na etapa de consolidação.

COMUNIDADE E FUSÃO
Um tema discutido na comunidade luso-brasileira contemporânea: a fusão das entidades visando fortalecer as associações. Almeida reconhece que seria muito difícil reunir numa só associação todas as tradições e costumes das regiões de Portugal, apesar de já ter se encantado pela idéia. “Prefiro que tenhamos várias capelinhas espalhadas por São Paulo, cada uma com uma velinha de portuguesismo, cumprindo seu papel naquela região, do que uma grande catedral às escuras. E essa ameaça já tivemos”.
Citou a cultura madeirense, Casa do Minho, Arouca SP Clube e entidades de Santos e suas variações culturais. “Nós poderíamos unir algumas coisas em São Paulo. Por exemplo, as instituições dedicadas à cultura, mas continuo achando que uma instituição dessa não abrigaria todo nosso fanatismo, nosso bairrismo por certas regiões de Portugal. Temos que respeitar que estas associações queiram existir de forma independente”.
Para ele porém, a situação da comunidade luso-paulista atual é positiva. “Penso que vivemos um bom momento, com todas as associações cumprindo o seu papel e superando as dificuldades naturais. Mas todas elas com vigor renovado. Há união visível em todas as partes.
No campo empresarial a vinda crescente de empresas portuguesas, que se juntam aquelas criadas pelos emigrantes, têm garantido uma imagem forte. “Há um vigor renovado e os grandes vencedores são os presidentes das associações que são homens abnegados. Eles têm feito um trabalho incrível” diz.
E não é só neste campo. Para ele, a Câmara Portuguesa de Comércio (SP) vive também um “momento de esplendor”, e também na representação política, “há muito tempo não tínhamos uma representação tão presente e eficaz”, disse citando Antonio Pargana (ex-presidente) e Manuel Tavares (atual presidente da Câmara).

CCP E DIÁSPORA
Hoje pouco ouvimos falar sobre o trabalho desenvolvido pelo CCP, o órgão de consulta do governo para as comunidades. Almeida e Silva, que já esteve nessa presidência, afirma que pouco conhece o atual presidente que é de Macau (China). “Eu acredito que estejam trabalhando, mas com um pouco de timidez. Quando estávamos lá, fazíamos questão de chamar a imprensa sempre, colocando as coisas boas e ruins para que a comunidade soubesse”, diz ele citando que ao sair do cargo agradeceu a cada um dos jornalistas que colaboravam nas divulgações do CCP. “Está enfraquecido e não me surpreenderei se o governo vier a modificar ou até extingui-lo”.
Comentando ainda sobre a diáspora lusa, Almeida e Silva citou uma entrevista de Carlos do Carmo na Alemanha onde dizia que as elites portuguesas têm vergonha dos emigrantes. “Eu não sei se vamos a tanto, mas acho que é quase isso. E tem este sentimento porque eles não conhecem as comunidades” afirma ele citando que na sua época do CCP pedia aos jornalistas para sensibilizar os portugueses [de Portugal] para conhecerem as comunidades, e assim terem mais orgulho do seu país. “É nas comunidades que as principais referências humanas estão, os grandes exemplos”.
Ainda, concordou que o próprio governo não está sabendo utilizar a força dos 5 milhões de portugueses fora de Portugal, inclusive em termos econômicos e financeiros. “Em épocas passadas, as remessas dos emigrantes representavam a principal fonte de Portugal. Hoje, com toda essa crise, eles estão redescobrindo essa importância. Os portugueses em todos os países, e principalmente no Brasil, são instrumentos de relacionamento de profundo interesse com o país”.

POLÍTICA
Por diversas vezes, Almeida e Silva foi convidado para ingressar na esfera política. Convites tanto de Portugal, como do Brasil, por diversas siglas partidárias e até “de forma insistente” conta. “Mas, o meu trabalho é voluntário e não tenho qualquer interesse em alterar essa condição. Considero que nessa posição posso ajudar muito a Comunidade, municiando os parlamentares e os governantes em geral com material e sugestões, sem envolvimentos partidários”.
Foi filiado ao PSD (Partido Social Democrata) por muito tempo, desde que Manuela Aguiar trouxe para o Brasil, na época em que as pessoas em São Paulo não conheciam outro partido. “Eu me desencantei com a política, nem foi com o PSD, mas queríamos que o partido numa eleição tivesse como cabeça-de-lista alguém de São Paulo. Na ocasião, nós reivindicávamos o Dr. Rui Assis. E de repente, entendemos que isso era não reconhecer o papel da comunidade em São Paulo, e me desfiliei. Hoje não tenho vida partidária nenhuma e nunca voltarei a ter. Respeito todos os partidos mas não sou filiado a nenhum” diz ele que atualmente não se volta muito para os partidos e sim para as pessoas nos partidos.

SÃO PAULO E LUSA
A sua gestão no Conselho da Comunidade trouxe muita visibilidade para o órgão. De acordo com Almeida e Silva, sua diretoria o quer à frente em mais uma gestão (2012-2014). “O meu foco é o trabalho de São Paulo, quando muito a comunidade no Brasil, ajudando no que posso”.
Ele participa atualmente em diversas associações: presidente do Conselho Deliberativo do Arouca SP Clube, conselheiro nato da Casa de Portugal de São Paulo, membro nato da Associação Portuguesa de Desportos, este no qual cita uma polêmica que pouca gente discute: a mudança de nome do clube. “Não sou contra o nome, pelo contrário, mas acho que as circustâncias nos obrigam a pensar no clube do futuro. E, se tiver de ser mudado, que sejamos nós a fazê-lo, da forma correta, de modo a preservar rigorosamente tudo aquilo que identifica a história do clube, suas cores e tradições. Mas,defendo sempre uma consulta aos sócios e torcedores. Temos pesquisas que confirmam que os jovens não torcem pela Portuguesa porque vêem um nome feminino, e isola muito uma comunidade. Não é algo só português, é luso-brasileiro. O que quero dizer é que o nome da Portuguesa já segmenta, e o jovem já diz que não é português e não torce. Mas um nome que seja mais genérico, mais popular, não abrange só a nossa gente”.

JUVENTUDE
Almeida e Silva cita que os problemas devem ser encarados de frente. Segundo ele, foi com muita dificuldade que o CCLB promoveu um encontro de jovens no Rio de Janeiro, no último ano,e não tiveram a participação esperada. “O próprio jovem não está muito sensibilizado, temos culpa nisso porque nossas associações esqueceram um pouco disso no passado. Fomos egoístas e não pensamos nisso”.
Segundo ele, o CCLB tem tentado sensibilizar e uma das formas que Almeida e Silva aposta é na cultura. “O patrimônio cultural que a comunidade tem é muito forte, e o jovem tem que ter orgulho dessa história, literatura, música”.
Agora, o CCLB quer ouvir o jovem. O órgão pretende distribuir um questionário aos jovens, durante os eventos da comunidade, para identificar as prioridades que eles querem para o movimento associativo. “Queremos que eles digam com sinceridade e liberdade o que eles acham e o que eles visualizam em termos de futuro, e qual a participação que eles gostariam de ter” diz citando que o CCLB tem recomendado a participação efetiva dos jovens em cargos de expressão dentro das associações.

3 Comments

  1. Prezado Dr.Antonio de Almeida e Silva,
    Permita-me fazer o seguinte questionamento:
    O Sr. como um luso-brasileiro que valoriza e
    enobrece a comunidade portuguesa, o que pensa
    a respeito dos netos de portugueses não terem
    direito a cidadania portuguesa originária.
    Meu pai,falecido, filho de portugueses, não adquiriu a
    cidadania portuguesa, por receio de perder a
    cidadania brasileira, por falta de informação.
    Hoje, só posso adquirir a cidadania portuguesa
    por naturalização, condição que não permite
    transferí-la para meus filhos maiores.
    Um grande abraço e parabéns pela sua atuação junto
    a comunidade portuguesa.
    Com respeito e estima,
    Israel Madureira.

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